segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Luiz Carlos Prestes - Discurso em Havana

Discurso em Havana na Conferência Sobre a Dívida Externa
Luiz Carlos Prestes - julho de 1985


Companheiro Comandante Fidel Castro.
Companheiros da presidência.
Companheiros e amigos todos.


Sinto-me no dever, de início, de agradecer ao povo cubano, ao seu Governo e ao seu eminente dirigente, companheiro Fidel Castro, o convite com que me honrou para participar deste importante e já histórico evento.
Para evitar equívocos, permitam-me, aqueles dos participantes neste Conclave que não conhecem minha atual posição política na sociedade brasileira, algumas palavras esclarecedoras. Represento aqui apenas os numerosos amigos que tenho no Brasil. Não exerço nenhum cargo nem tenho nenhum posto de dirigente, porque não participo hoje de nenhum Partido político. Sou apenas um revolucionário que já tem mais de 60 anos de atividade política. Fui capitão do Exército Brasileiro, dele expulso duas vezes. Fui modesto guerrilheiro, senador da República, e tenho a honra de ter meu nome em primeiro lugar na primeira lista dos cidadãos que no Brasil, em decorrência do golpe militar reacionário de 1964, tiveram seus direitos políticos cassados por dez anos.
Em artigo um tanto irônico, escreve um dos jornais mais conservadores do Brasil, para não dizer reacionário, "O Estado de São Paulo", recentemente:
"Os brasileiros sempre gostaram de usar superlativos para descrever seu país. Afinal, ele é o maior e o mais populoso da América Latina, o maior país católico do mundo e possui o maior "parque industrial" do Terceiro Mundo, com um Produto Nacional Bruto, em 1982, de 296 bilhões de dólares norte-americanos, equiparando-se ao Canadá. Durante as décadas de 60 e 70, ele tinha uma das economias de crescimento mais rápido do mundo, durante oito anos — de 1967 a 1974 —, na assim chamada era do "milagre", sua economia cresceu à taxa impressionante de 14% ao ano. A "metade do continente" da América do Sul também possui a maior barragem hidroelétrica do mundo, Itaipú, que começou a operar em outubro de 1984".
Mas devemos atualizar este quadro. O Brasil também tem, nos dias de hoje, a maior dívida externa do Terceiro Mundo. Ela chega ao nível de 108 bilhões de dólares. Entre 1964 e 1984, a dívida externa brasileira aumentou 28,5 vezes, passando de 3,5 para mais de 100 bilhões. E estamos pagando juros variáveis (do tipo libor), que já chegaram a mais de 21,5% ao ano, quando a taxa de juros normal não deve passar de 5%. Nosso País, por isso, já pagou, só de excesso de juros, nos últimos anos mais de 40 bilhões de dólares. Somente com o serviço da dívida, paga hoje, o governo de 10 a 13 bilhões de dólares ao ano, o que corresponde ao saído do balanço comercial.
Esse escandaloso aumento da dívida externa tem, entre outras, duas causas principais. De um lado, o singular patriotismo dos generais brasileiros que governaram o País nos últimos 21 anos. Foram eles, não apenas torturadores e assassinos de presos políticos, mas também governantes que julgavam que para serem patriotas cabia-lhes fazer do Brasil uma grande potência, inclusive com bomba atômica, a custa do apelo ao capital estrangeiro, mas com um povo passando fome. De outro lado, não podemos também deixar de assinalar a responsabilidade dos banqueiros e das grandes potências imperialistas, particularmente dos EE.UU., que recebendo em depósito os petrodólares dos países árabes, tratavam de aplicar esses vultosos recursos nos países submetidos a ditaduras militares reacionárias. Tais como o Brasil, em que viam, com razão, o paraíso para o capital estrangeiro, onde não havia e não há nenhum controle ou limitação para os lucros, nem para a saída deles para o exterior.
Mas ao examinarmos a problemática da dívida externa no Brasil, devemos assinalar que não se trata de um evento novo, resultante apenas da ditadura militar imposta ao nosso povo pelo golpe militar reacionário de 1964. É um velho e mais de centenário problema. Já em 1824, dois anos após a Independência, Martim Francisco, Primeiro Ministro da Independência, diante de uma primeira proposta de empréstimo externo, chamava a isto de "medida perniciosa" e agregava que levava a "um abismo que os governos nunca a adotam senão para oprimirem mais facilmente os povos".
E, com efeito, como já foi dito desta tribuna por mais de um orador, o problema da dívida externa não é meramente um problema técnico e financeiro, é essencialmente político. Não basta porém dizer que é um problema político, mas mostrar que ele se relaciona diretamente com a situação de crescente submissão do País ao capital estrangeiro, à crescente escravidão do povo às grandes potências imperiafistas. Sua problemática é inseparável também do próprio regime capitalista, em que dominam, como acontece hoje no Brasil, os monopólios nacionais e estrangeiros, muito especialmente as multinacionais, que são, em nosso País, donas do dinheiro e do poder. E, como nos livrarmos delas? Como dar solução aos graves problemas econômicos e sociais, decorrentes do capitalismo dependente, que afligem hoje o povo brasileiro? Já em 1975, na reunião dos Partidos Comunistas e Operários de América Latina e do Caribe, aqui mesmo nesta formosa cidade de Havana, chegamos à conclusão de que, em nossos países, já nenhum grande problema, como, por exemplo, o da terra, o da fome de massas de milhões, o da miséria crônica e crescente, o do analfabetismo e da falta de instrução em geral, o da saúde pública, não podem ser solucionados enquanto perdurar o regime capitalista. É indispensável um outro regime. E aqui não posso deixar de citar, com a devida venia, um dirigente operário de talento aqui presente — o companheiro Lula, o qual depois de dirigir três greves econômicas pela elevação de salários e melhores condições de trabalho, nos anos de 1978, 79 e 80, chegou a afirmar, em 1981:
"Não basta elevar salários, é necessário mudar o regime".
Evidentemente, aqui se trata do regime social, por outro livre da exploração do homem pelo homem, o regime já alcançado pelo querido povo cubano, que justamente por isso é para todos os revolucionários de América Latina e do Caribe, a nossa estrela-guia.
Trata-se, portanto, da revolução socialista, que está na ordem-do-dia em nosso Continente, já que em toda a América Latina e Caribe, mesmo naqueles países de menores dimensões, com a exceção de algumas colônias apenas, já é o capitalismo a formação econômica-social dominante. Em nosso País, nós, comunistas, durante muitos anos, por desconhecer a realidade brasileira, negávamos o capitalismo, víamos nosso País como se fosse colonial ou semicolonial, caracterizávamos a revolução no Brasil como nacional libertadora e lutávamos por um governo capitalista, nacionalista e democrático. É certo que, em nosso País, ainda há hoje, políticos e partidos políticos, considerados como de esquerda, que continuam lutando por um novo governo capitalista, dito nacionalista e democrático, e que, justamente por isto, dá conseqüentemente, inteiro apoio ao atual governo do senhor José Sarney, e reclamam participar da "Aliança Democrática" e do "Pacto Social", que o governo federal do Brasil vem propondo às forças políticas e sociais.
Mas, se achamos que o acertado, nas atuais condições brasileiras, é lutar pela revolução socialista, ou, melhor", por aquela que abra caminho para o socialismo (antilatifundiária, antimperialista e antimonopolista), também sabemos que a revolução não pode se realizar quando se quer. Ela só poderá eclodir e ser vitoriosa quando existam as condições objetivas e subjetivas para tanto indispensáveis. E tudo indica que em nosso Continente, se crescem cada vez mais as condições objetivas, as subjetivas ainda se retardam. Estamos longe também da indispensável organização e unidade da maioria esmagadora da classe operária, faltam-nos ainda partidos revolucionários efetivamente ligados às grandes massas trabalhadoras e populares.
Se ainda não é possível a revolução, isto não significa que fiquemos de braços cruzados. No Brasil, temos chamado os trabalhadores a lutarem por medidas de emergência, de caráter limitado ou reformista, contra a fome, a falta de trabalho, por um subsídio-desemprego, contra a inflação, e a carestia do custo de vida, afirmando que é dever dos governantes tomar medidas que minorem os sofrimentos do povo. Igualmente fazemos o possível para levar o povo a lutar pela paz mundial contra uma terceira guerra mundial e contra a corrida armamentista, em solidariedade com a Nicarágua, El Salvador e demais povos que lutam pelo progresso social.
E tudo indica que, é diante dessa situação, que o companheiro
Fidel Castro, que se destaca pela sua grande confiança na força das massas trabalhadoras, agora nos chama a lutar pela mobilização das massas para pressionarem os governos de América Latina e do Caribe, a fim de que se unam e, juntos, neguem-se, em nome de seus povos, a pagar as enormes dívidas ou, mesmo, apenas o serviço das dívidas, que chegam a consideráveis somas. Pagamentos que determinam a recessão econômica, à diminuição de produto interno bruto e também ao conseqüente desemprego para milhões de trabalhadores. Repudiem também as medidas draconianas impostas a nossos povos por esse sindicato do capital financeiro internacional que é o Fundo Monetário Internacional.
Estamos assim, por tudo isso, de pleno acordo com a proposta de ação de massas nos termos expressos na "
ATA DE HAVANA", aprovada pela Conferência Sindical recentemente realizada nesta Capital.
É com esta mobilização de massas que intensificaremos, como é necessário, em todo o Continente, a luta contra o imperialismo, luta que, como devemos reconhecer tem, nos últimos anos baixado consideravelmente de nível, já que se tem concentrado fundamentalmente na ação contra as ditaduras militares e pela democracia. É, no entanto, na justa combinação da luta pela democracia e contra o imperialismo, que continua sendo o inimigo principal de nossos povos, que se elevará o nível de consciência política dos povos de América Latina. Crescerá, assim, o fator subjetivo, ainda em retardo, como já assinalamos, em relação ao objetivo, cada dia mais evidente em todo o Continente.
Partindo pois da luta contra o pagamento da dívida externa, já impagável pelos nossos povos, intensificaremos a luta contra o imperialismo e pela democracia em todo o Continente e haveremos de organizar as massas trabalhadoras e populares na grande força capaz de compelir seus governantes a vencer divergências entre eles e encontrarem o terreno comum que lhes dará forças para enfrentarem o imperialismo e resolverem de acordo com os interesses do povo a questão da dívida externa e abrirem caminho para a completa independência nacional e o progresso social.

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